segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Aonde entra o Pai nessa coisa toda...

Pois bem. Vocês já pararam para pensar aonde entra o pai na relação mãe/filho? Complicado... Segundo alguns sustentam, o pai é estranho à tudo até o nascimento do pequeno.  Outros relatam que a figura paterna ingressa na jogada ainda na fase gestacional. Tentando compreender um pouco mais sobre isso, entrei em contato com minha prima Priscila Nassif, psicóloga, especialista e mestranda na área. E ela escreveu o seguinte artigo que vale a leitura:

Tornar-se pai e mãe é um dos acontecimentos mais marcantes na vida de qualquer indivíduo, e exige inúmeras adaptações, tanto em nível psicológico quanto biológico e social, já que os pais deparam com uma realidade completamente diferente daquela vivida até então. Necessitam fazer muitas renúncias, tanto da vida social quanto da própria condição de filho ou filha – o que mobiliza identificações com seus próprios pais - assumindo um novo papel perante seu próprio filho. Dessa maneira, pensar na chegada de um filho significa construir um projeto de maternidade e paternidade com expectativas e desejos. Neste projeto, a mãe e o bebê são os protagonistas, mas a presença do pai não é menos importante, pois este vai vivenciar juntamente com a mãe todos os sentimentos envolvidos neste momento de suas vidas. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é compreender como acontece a relação pai-bebê e a sua importância para o desenvolvimento da criança.

E quando essa relação começa? Ela inicia desde antes do período pré-natal, desde a percepção da gravidez, e vai se consolidando durante o período gestacional, basicamente a partir das expectativas que os pais têm sobre o bebê, como as características físicas (sexo e cor dos olhos, por exemplo) e características psicológicas (temperamento), e também por meio da interação que estabelecem com ele. Além disso, ela acontece de forma indireta, uma vez que é mediada pela mãe, pois é esta quem gesta o filho e sente os movimentos dele dentro de si. Assim, mesmo durante o período gestacional, momento em que normalmente as atenções são voltadas para a mulher e o bebê, o homem pode desenvolver uma relação com o filho, ocupando seu lugar como pai desde então. Diferentemente do que costumava acontecer, uma vez que tradicionalmente a função do pai durante a gestação era cuidar da companheira para que esta fosse capaz de proporcionar um bom desenvolvimento físico e emocional ao bebê.

Dessa forma, o envolvimento do pai durante a gestação pode manifestar-se através de diferentes comportamentos e sentimentos, por meio da sua participação em atividades relativas às gestantes e aos preparativos para a chegada do filho. Exemplo disso é a presença nas consultas pré-natais e através do toque na barriga, o que favorece a ele experienciar a resposta dos movimentos fetais. Consequentemente, o pai pode também sentir o bebê e construir uma imagem mental dele, o que auxilia o estabelecimento do vínculo entre o pai e o filho. Além disso, a ultrassonografia também tem sido considerada outro recurso facilitador da inclusão do pai no processo gestacional, uma vez que partilha uma posição de igualdade com a mãe no momento do exame, pois ambos enxergam a mesma imagem do bebê e têm acesso às mesmas informações. Assim, a partir desta visualização do desenvolvimento do bebê e de seus movimentos, o pai tende a se sentir mais responsável pelos cuidados com a mãe e o bebê.

O envolvimento paterno também pode variar bastante ao longo da gestação, de acordo com o desenvolvimento do bebê, bem como conforme as características de cada pai. Alguns pais sentem-se profundamente envolvidos com questões da gestação, procurando participar o máximo possível e mostrando uma grande disponibilidade emocional para esta experiência. Podem mostrar maior interesse por bebês, gravidez e parto lendo livros sobre o assunto e buscando todas as informações disponíveis, enquanto outros se preocupam mais com a função de provedor, o que também não deixa de ser uma maneira de se envolver. Alguns estudos realizados com pais, sobre os sentimentos e expectativas relativos à gestação, apontaram para a compreensão desse período como algo intenso emocionalmente, marcado por alegrias, ansiedades e conflitos. Além disso, pôde ser percebido maior envolvimento paterno durante a gestação por meio da imaginação de seus bebês, com a nomeação de suas características físicas e psicológicas, bem como pelo interesse pelo sexo do bebê. Outra maneira encontrada por eles para fazer parte do processo gestacional da companheira foi a participação na escolha do nome do filho e preocupações com a saúde da criança. Após o nascimento do bebê, as expectativas dos pais em relação à gestação foram confirmadas, com a presença de sentimentos positivos e satisfação. Por outro lado, alguns pais não conseguem criar um vínculo tão intenso e sólido com o bebê no período pré-natal, pois não sabem como participar mais ativamente da gestação, entrar em contato com seu bebê e estabelecer com ele uma relação, embora o desejem intensamente. Para estudiosos, a formação do vínculo entre pai e filho costuma ser mais lenta, consolidando-se gradualmente após o nascimento e ao longo do desenvolvimento da criança. A justificativa para isso pode ser o fato de que as diferenças entre a maternidade e a paternidade permanecem, apesar da tendência de inclusão cada vez maior do pai na vida do bebê. Sendo assim, a principal diferença é que somente a mulher pode sentir o filho crescer dentro de si, dar à luz e amamentar. Com isso, pode surgir no homem um sentimento de exclusão, além de suscitar sentimentos de ciúme, inveja, ansiedade e solidão, comumente encontrados nos pais no período gestacional. Pode-se supor que tais sentimentos sejam incrementados devido a poucas pessoas se interessarem pelos sentimentos do pai durante este período de adaptação, que é a gestação. Algumas vezes, é a própria mulher que não proporciona espaço para essa participação, enquanto outras vezes é o próprio homem que não se sente capaz e importante nesse momento, em que geralmente mãe e filho são bastante visados, e o homem acaba ficando e sentindo-se excluído, já que não desfruta da condição biológica de gestar o bebê. Além disso, conforme estudos recentes, alguns pais podem estar ainda se adaptando à nova condição da paternidade, o que pode dificultar, para eles, imaginar mais detalhadamente o bebê e se conectar com o mesmo. Por outro lado, outros estudos, realizados também com pais, indicaram que alguns deles ainda encontravam dificuldades quanto ao envolvimento com seu filho, parecendo não percebê-lo como real e apresentando uma baixa ligação emocional com a gestação. Outro dado interessante das pesquisas referiu-se ao fato de que a participação nos cuidados com o bebê após o nascimento não se mostrou tão efetiva quanto planejado, embora houvesse grande proximidade e afeto na relação pai-bebê. Dessa forma, pareceu haver uma busca de inclusão paterna nos cuidados destinados ao bebê, mas de maneira ainda tímida. Assim, concluiu-se que estes pais desempenhavam a paternidade tradicional, já que a atuação deles durante esse período foi determinada por questões de gênero ainda instituídas na sociedade, como a mãe, cuidadora do bebê, e o pai, mais distante, como mero provedor.

Sabe-se que os pais também podem sofrer angústias e ter fantasias como as mulheres, embora menos intensas. São exemplos disso a Síndrome de Couvade, caracterizada por um conjunto de sintomas físicos e psicológicos semelhantes aos da mulher que podem aparecer nos homens durante a gestação. Eles apresentam sensações semelhantes às da companheira grávida e podem engordar e ter enjoos, desejos, crises de choro ou mesmo depressão. Um estudo brasileiro indicou que esta síndrome atingiu metade dos homens entrevistados. Já a depressão pós-parto masculina, distúrbio que também vem chamando a atenção de pesquisadores, afeta 10,4% dos pais, sendo seu ápice entre o 3º e o 6º mês do pós-parto, período na qual a sua ocorrência sobe para 25%. Estudiosos sobre o tema mostram uma correlação com a depressão pós-parto materna, chegando a apresentar o dobro de frequência no homem cuja esposa está deprimida. Os efeitos da depressão paterna são inegáveis e além de acarretar grande sofrimento para o homem, podem se tornar persistentes e prejudiciais ao comportamento e desenvolvimento emocional das crianças entre 3 e 6 anos.

Além da gestação, outro momento em que o homem pode participar dos preparativos para a chegada do bebê, se assim o desejar e estiver disponível, é o acompanhamento do parto. Alguns pais assumem a tarefa sem dificuldade, funcionando como suporte emocional da mulher e de acolhimento ao bebê na sua chegada. No entanto, pesquisas revelam que pouquíssimos pais manifestam o desejo de assistir ao parto. Isso acontece, talvez, devido ao próprio pai sentir-se despreparado para acompanhar a experiência de nascimento do filho. Ele pode vivenciar um extremo desgaste emocional, pois a intensa ansiedade experimentada por alguns pais frente à dor sofrida por sua parceira, bem como as preocupações em relação à saúde do bebê e da mãe podem, muitas vezes, resultar em intervenções médicas desnecessárias. Assim, a literatura aponta que, caso eles sejam pressionados a participar, poderão tornar o trabalho de parto mais complicado para todos os envolvidos. E o que se costuma perceber é que a equipe médica frequentemente desconsidera toda esta carga emocional, exigindo do pai que acompanha o parto um papel que ele não tem condições de assumir, de extrema tranquilidade e contenção das ansiedades da parturiente. Dessa maneira, para que a presença do pai durante o parto seja positiva, ele necessita de treinamento e apoio desde a preparação para este momento, como os cursos destinados a isso, para que não fiquem pouco à vontade e sentindo-se deslocados, como geralmente ocorre. Porém, os cursos de gestantes mostram em sua própria denominação um convite à mãe e uma exclusão do pai, o que também é evidente em seu funcionamento, que muitas vezes não permite a participação dos pais. Estudos indicam que esta inadequação dos cursos de preparação para o parto às necessidades dos pais pode ser uma das explicações para a pequena menção a estes cursos. A exclusão do pai em alguns hospitais, tanto do exame ecográfico, como do curso de gestantes e do próprio parto, só tende a contribuir para que se exacerbem as dificuldades pessoais de vários pais com a gestação de seu filho e com a transição para a parentalidade. Mas o direito de estar presente na sala de parto não deve transformar-se em obrigação. Deve ser negociado entre o casal e decidido de comum acordo, o que é melhor para cada um.

Comumente, o período em que se percebe o maior envolvimento paterno em relação ao desenvolvimento do seu filho é após o nascimento do bebê. Desde os primeiros momentos, a presença do pai é, sem dúvida, crucial para o desenvolvimento do filho, pois ele poderá dar um bom apoio à mãe que talvez esteja desorientada (o que é bastante comum), não sabendo como lidar com essa nova situação, pois se depara com um ser completamente dependente dela. Além disso, ele é indispensável à constituição do bebê, pois cabe a ele passar a fazer parte de um mundo que antes era só da mãe e do filho, impulsionando a criança a desprender-se da mãe e se desenvolver socialmente, além de impor os limites necessários para um desenvolvimento saudável, sempre servindo de suporte das dificuldades inerentes ao aprendizado deste período. Assim, pode-se supor que a interação entre pai e filho embasa as questões emocionais, sociais, afetivas e cognitivas dos filhos, proporcionando segurança e auto-estima, facilitando a capacidade de aprendizagem e servindo de referência ao filho acerca do universo masculino. A presença do pai também poderá proporcionar o acesso da criança à afirmação de si e confiança em si mesmo e nos outros, à capacidade de se defender e de explorar o ambiente, bem como promover independência e estabilidade emocional.

Já a ausência paterna pode gerar conflitos no desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança, bem como influenciar o desenvolvimento de distúrbios de comportamento, como a dificuldade de reconhecer limites e de aprender regras de convivência social, com maior tendência para o envolvimento com a delinquência. Podem surgir, ainda, problemas de identificação sexual e problemas na modulação e na intensidade do afeto, com consequências graves, e a longo prazo.

Ao pensarmos sobre a relação pai-mãe-bebê, deve ser levado em consideração, que antes do bebê, como a própria expressão já diz, existem os pais, o casal grávido. Assim, não se pode pensar somente na mãe, mas igualmente devemos considerar o pai, que também tem que aprender a lidar com todas as dúvidas e angústias semelhantes às da parceira, sobre a responsabilidade de se tornarem bons pais. No entanto, a importância do pai para o desenvolvimento saudável do filho não vem merecendo a devida atenção, pois embora esta relação venha sendo tema de muitas pesquisas recentes, prevalecem os estudos sobre a relação mãe-bebê. E esta desatenção já pode ser observada na nomenclatura curso de gestantes. Em primeiro lugar, como já foi discutido durante o texto, porque exclui o pai desse momento crucial na vida dos três: pai, mãe e bebê. Em segundo lugar, pensar na expressão curso de gestantes, ou de pais, que seria mais adequado, nos remete a um momento em que se aprende algo. Porém, ninguém ensina os pais a serem pais. Por isso, sugere-se a nomenclatura grupos de discussão sobre a maternidade e a paternidade ao invés de curso de gestantes, ou mesmo, curso de pais. Recomenda-se, ainda, a realização de pesquisas com os próprios pais a respeito de sua participação mais efetiva quando se trata da transição à paternidade, que se dá desde a gestação até o pós-parto, inclusive quanto ao seu envolvimento nos grupos de discussão e no próprio parto. Pois ao ouvi-los, poderemos evitar que eles encarem o acompanhamento do parto como obrigação, e não como direito, como o é de fato. Caso contrário, estaremos potencializando o distanciamento do pai, ao invés de inseri-lo numa situação em que seu envolvimento é fundamental. Com isso, sua inserção pode se dar antes mesmo do nascimento, diferentemente do que vem ocorrendo, quando seu envolvimento com o bebê ocorre com mais frequência no pós-parto.

Por fim, também deve ser considerado o fato de que como não existe mais a padronização de que pai é o provedor, e a mãe a cuidadora, obviamente está ocorrendo uma transição propriamente dita, isto é, a mudança de um pai provedor para um pai mais carinhoso e participativo, e uma mãe cuidadora que também pode ser a provedora. E isso vem ocorrendo de forma gradual, como as pesquisas estão demonstrando, através dos seus resultados que indicam maior participação dos pais, embora algumas vezes mais tímida. E a sociedade terá de aprender a se adaptar a essa transição, e não exigir uma mudança brusca acerca do comportamento paterno, como vem acontecendo.

Texto incrível não acham? E pensar que há quem diga que o pai somente assume sua função depois do nascimento do pequeno. A verdade é que quanto mais envolvido com todo o processo, melhor para o filho e para o casal. Dividindo as responsabilidades, tudo fica mais fácil. E saber que cada um pode contar com o outro, tranquiliza qualquer perrengue que possa surgir. Por tanto amigos, sejam convictos de vossas escolhas... não basta ser pai, tem que participar!

Um bjão, Paizão. 

P.S. Valeu prima amada pelo apoio e leitura de sempre! Bjão!

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