Pois bem. Vocês já pararam para pensar aonde entra o pai na relação mãe/filho? Complicado... Segundo alguns sustentam, o pai é estranho à tudo até o nascimento do pequeno. Outros relatam que a figura paterna ingressa na jogada ainda na fase gestacional. Tentando compreender um pouco mais sobre isso, entrei em contato com minha prima Priscila Nassif, psicóloga, especialista e mestranda na área. E ela escreveu o seguinte artigo que vale a leitura:
Tornar-se pai e mãe
é um dos acontecimentos mais marcantes na vida de qualquer
indivíduo, e exige inúmeras adaptações, tanto em nível
psicológico quanto biológico e social, já que os pais deparam com
uma realidade completamente diferente daquela vivida até então.
Necessitam fazer muitas renúncias, tanto da vida social quanto da
própria condição de filho ou filha – o que mobiliza
identificações com seus próprios pais - assumindo um novo papel
perante seu próprio filho. Dessa maneira, pensar na chegada de um
filho significa construir um projeto de maternidade e paternidade com
expectativas e desejos. Neste projeto, a mãe e o bebê são
os protagonistas, mas a presença do pai não é menos
importante, pois este vai vivenciar juntamente com a mãe todos os
sentimentos envolvidos neste momento de suas vidas. Sendo assim, o
objetivo deste trabalho é compreender como acontece a relação
pai-bebê e a sua importância para o desenvolvimento da criança.
E quando essa
relação começa? Ela
inicia desde antes do período pré-natal, desde a percepção da
gravidez, e vai se consolidando durante o período gestacional,
basicamente a partir das expectativas que os pais têm sobre o bebê,
como as características físicas (sexo e cor dos olhos, por exemplo)
e características psicológicas (temperamento), e também por meio
da interação que estabelecem com ele. Além disso, ela acontece de
forma indireta, uma vez que é mediada pela mãe, pois é esta quem
gesta o filho e sente os movimentos dele dentro de si. Assim, mesmo
durante o período gestacional, momento em que normalmente as
atenções são voltadas para a mulher e o bebê, o homem pode
desenvolver uma relação com o filho, ocupando seu lugar como pai
desde então. Diferentemente do que costumava acontecer, uma vez que
tradicionalmente a função do pai durante a gestação era cuidar da
companheira para que esta fosse capaz de proporcionar um bom
desenvolvimento físico e emocional ao bebê.
Dessa
forma, o envolvimento do pai durante a gestação pode manifestar-se
através de diferentes comportamentos e sentimentos,
por meio da sua participação em atividades relativas às
gestantes e aos preparativos para a chegada do filho. Exemplo
disso é a presença nas consultas pré-natais e através do
toque na barriga, o que favorece a ele experienciar a resposta dos
movimentos fetais. Consequentemente, o pai pode também sentir o bebê
e construir uma imagem mental dele, o que auxilia o estabelecimento
do vínculo entre o pai e o filho. Além disso, a ultrassonografia
também tem sido considerada outro recurso facilitador da inclusão
do pai no processo gestacional, uma vez que partilha uma posição de
igualdade com a mãe no momento do exame, pois ambos enxergam a mesma
imagem do bebê e têm acesso às mesmas informações. Assim, a
partir desta visualização do desenvolvimento do bebê e de seus
movimentos, o pai tende a se sentir mais responsável pelos cuidados
com a mãe e o bebê.
O envolvimento
paterno também pode variar bastante ao longo da gestação, de
acordo com o desenvolvimento do bebê, bem como conforme as
características de cada pai. Alguns pais sentem-se profundamente
envolvidos com questões da gestação, procurando participar o
máximo possível e mostrando uma grande disponibilidade emocional
para esta experiência. Podem mostrar maior interesse por bebês,
gravidez e parto lendo livros sobre o assunto e buscando todas as
informações disponíveis, enquanto outros se preocupam mais com a
função de provedor, o que também não deixa de ser uma maneira de
se envolver. Alguns estudos realizados com pais, sobre os sentimentos
e expectativas relativos à gestação, apontaram para a compreensão
desse período como algo intenso emocionalmente, marcado por
alegrias, ansiedades e conflitos. Além disso, pôde ser percebido
maior envolvimento paterno durante a gestação por meio da
imaginação de seus bebês, com a nomeação de suas características
físicas e psicológicas, bem como pelo interesse pelo sexo do bebê.
Outra maneira encontrada por eles para fazer parte do processo
gestacional da companheira foi a participação na escolha do nome do
filho e preocupações com a saúde da criança. Após o nascimento
do bebê, as expectativas dos pais em relação à gestação foram
confirmadas, com a presença de sentimentos positivos e satisfação.
Por outro lado, alguns pais não conseguem criar um vínculo tão
intenso e sólido com o bebê no período pré-natal, pois não sabem
como participar mais ativamente da gestação, entrar em contato com
seu bebê e estabelecer com ele uma relação, embora o desejem
intensamente. Para estudiosos, a formação do vínculo entre pai e
filho costuma ser mais lenta, consolidando-se gradualmente após o
nascimento e ao longo do desenvolvimento da criança. A justificativa
para isso pode ser o fato de que as diferenças entre a maternidade e
a paternidade permanecem, apesar da tendência de inclusão cada vez
maior do pai na vida do bebê. Sendo assim, a principal diferença é
que somente a mulher pode sentir o filho crescer dentro de si, dar à
luz e amamentar. Com isso, pode surgir no homem um sentimento de
exclusão, além de suscitar sentimentos de ciúme, inveja, ansiedade
e solidão, comumente encontrados nos pais no período
gestacional. Pode-se supor que tais sentimentos sejam incrementados
devido a poucas pessoas se interessarem pelos sentimentos do pai
durante este período de adaptação, que é a gestação. Algumas
vezes, é a própria mulher que não proporciona espaço para essa
participação, enquanto outras vezes é o próprio homem que não se
sente capaz e importante nesse momento, em que geralmente mãe e
filho são bastante visados, e o homem acaba ficando e sentindo-se
excluído, já que não desfruta da condição biológica de gestar o
bebê. Além disso, conforme estudos recentes, alguns pais podem
estar ainda se adaptando à nova condição da paternidade, o que
pode dificultar, para eles, imaginar mais detalhadamente o bebê e se
conectar com o mesmo. Por outro lado, outros estudos, realizados
também com pais, indicaram que alguns deles ainda encontravam
dificuldades quanto ao envolvimento com seu filho, parecendo não
percebê-lo como real e apresentando uma baixa ligação emocional
com a gestação. Outro dado interessante das pesquisas referiu-se ao
fato de que a participação nos cuidados com o bebê após o
nascimento não se mostrou tão efetiva quanto planejado, embora
houvesse grande proximidade e afeto na relação pai-bebê. Dessa
forma, pareceu haver uma busca de inclusão paterna nos cuidados
destinados ao bebê, mas de maneira ainda tímida. Assim, concluiu-se
que estes pais desempenhavam a paternidade tradicional, já que a
atuação deles durante esse período foi determinada por questões
de gênero ainda instituídas na sociedade, como a mãe, cuidadora do
bebê, e o pai, mais distante, como mero provedor.
Sabe-se que os pais
também podem sofrer angústias e ter fantasias como as mulheres,
embora menos intensas. São exemplos disso a Síndrome de Couvade,
caracterizada por um conjunto de sintomas físicos e psicológicos
semelhantes aos da mulher que podem aparecer nos homens durante a
gestação. Eles apresentam sensações semelhantes às da
companheira grávida e podem engordar e ter enjoos, desejos, crises
de choro ou mesmo depressão. Um estudo brasileiro indicou que esta
síndrome atingiu metade dos homens entrevistados. Já a depressão
pós-parto masculina, distúrbio que também vem chamando a atenção
de pesquisadores, afeta 10,4% dos pais, sendo seu ápice entre o 3º
e o 6º mês do pós-parto, período na qual a sua ocorrência sobe
para 25%. Estudiosos sobre o tema mostram uma correlação com a
depressão pós-parto materna, chegando a apresentar o dobro de
frequência no homem cuja esposa está deprimida. Os efeitos da
depressão paterna são inegáveis e além de acarretar grande
sofrimento para o homem, podem se tornar persistentes e prejudiciais
ao comportamento e desenvolvimento emocional das crianças entre 3 e
6 anos.
Além da gestação,
outro momento em que o homem pode participar dos preparativos para a
chegada do bebê, se assim o desejar e estiver disponível, é o
acompanhamento do parto. Alguns pais assumem a tarefa sem
dificuldade, funcionando como suporte emocional da mulher e de
acolhimento ao bebê na sua chegada. No entanto, pesquisas revelam
que pouquíssimos pais manifestam o desejo de assistir ao parto. Isso
acontece, talvez, devido ao próprio pai sentir-se despreparado para
acompanhar a experiência de nascimento do filho. Ele pode vivenciar
um extremo desgaste emocional, pois a intensa ansiedade experimentada
por alguns pais frente à dor sofrida por sua parceira, bem como as
preocupações em relação à saúde do bebê e da mãe podem,
muitas vezes, resultar em intervenções médicas desnecessárias.
Assim, a literatura aponta que, caso eles sejam pressionados a
participar, poderão tornar o trabalho de parto mais complicado para
todos os envolvidos. E o que se costuma perceber é que a equipe
médica frequentemente desconsidera toda esta carga emocional,
exigindo do pai que acompanha o parto um papel que ele não tem
condições de assumir, de extrema tranquilidade e contenção das
ansiedades da parturiente. Dessa maneira, para que a presença do pai
durante o parto seja positiva, ele necessita de treinamento e apoio
desde a preparação para este momento, como os cursos destinados a
isso, para que não fiquem pouco à vontade e sentindo-se deslocados,
como geralmente ocorre. Porém, os cursos de gestantes mostram em sua
própria denominação um convite à mãe e uma exclusão do pai, o
que também é evidente em seu funcionamento, que muitas vezes não
permite a participação dos pais. Estudos indicam que esta
inadequação dos cursos de preparação para o parto às
necessidades dos pais pode ser uma das explicações para a pequena
menção a estes cursos. A exclusão do pai em alguns hospitais,
tanto do exame ecográfico, como do curso de gestantes e do próprio
parto, só tende a contribuir para que se exacerbem as dificuldades
pessoais de vários pais com a gestação de seu filho e com a
transição para a parentalidade. Mas o direito de estar presente na
sala de parto não deve transformar-se em obrigação. Deve ser
negociado entre o casal e decidido de comum acordo, o que é melhor
para cada um.
Comumente,
o período em que se percebe o maior envolvimento paterno em relação
ao desenvolvimento do seu filho é após o nascimento do bebê.
Desde
os primeiros momentos, a presença do pai é, sem dúvida, crucial
para o desenvolvimento do filho, pois ele poderá dar um bom apoio à
mãe que talvez esteja desorientada (o que é bastante comum), não
sabendo como lidar com essa nova situação, pois se depara com um
ser completamente dependente dela. Além disso, ele é
indispensável à constituição do bebê, pois cabe a ele passar a
fazer parte de um mundo que antes era só da mãe e do filho,
impulsionando a criança a desprender-se da mãe e se desenvolver
socialmente, além de impor os limites necessários para um
desenvolvimento saudável, sempre servindo de suporte das
dificuldades inerentes ao aprendizado deste período. Assim, pode-se
supor que a interação entre pai e filho embasa as questões
emocionais, sociais, afetivas e cognitivas dos filhos, proporcionando
segurança e auto-estima, facilitando a capacidade de aprendizagem e
servindo de referência ao filho acerca do universo masculino. A
presença do pai também poderá proporcionar o acesso da criança à
afirmação de si e confiança em si mesmo e nos outros, à
capacidade de se defender e de explorar o ambiente, bem como promover
independência e estabilidade emocional.
Já a ausência
paterna pode gerar conflitos no desenvolvimento psicológico e
cognitivo da criança, bem como influenciar o desenvolvimento de
distúrbios de comportamento, como a dificuldade de reconhecer
limites e de aprender regras de convivência social, com maior
tendência para o envolvimento com a delinquência. Podem surgir,
ainda, problemas de identificação sexual e problemas na modulação
e na intensidade do afeto, com consequências graves, e a longo
prazo.
Ao pensarmos sobre a
relação pai-mãe-bebê, deve ser levado em consideração, que
antes do bebê, como a própria expressão já diz, existem os pais,
o casal grávido. Assim, não se pode pensar somente na mãe, mas
igualmente devemos considerar o pai, que também tem que aprender a
lidar com todas as dúvidas e angústias semelhantes às da parceira,
sobre a responsabilidade de se tornarem bons pais. No entanto, a
importância do pai para o desenvolvimento saudável do filho não
vem merecendo a devida atenção, pois embora esta relação venha
sendo tema de muitas pesquisas recentes, prevalecem os estudos sobre
a relação mãe-bebê. E esta desatenção já pode ser observada na
nomenclatura curso de gestantes. Em primeiro lugar, como já foi
discutido durante o texto, porque exclui o pai desse momento crucial
na vida dos três: pai, mãe e bebê. Em segundo lugar, pensar na
expressão curso de gestantes, ou de pais, que seria mais adequado,
nos remete a um momento em que se aprende algo. Porém, ninguém
ensina os pais a serem pais. Por isso, sugere-se a nomenclatura
grupos de discussão sobre a maternidade e a paternidade ao invés de
curso de gestantes, ou mesmo, curso de pais. Recomenda-se, ainda, a
realização de pesquisas com os próprios pais a respeito de sua
participação mais efetiva quando se trata da transição à
paternidade, que se dá desde a gestação até o pós-parto,
inclusive quanto ao seu envolvimento nos grupos de discussão e no
próprio parto. Pois ao ouvi-los, poderemos evitar que eles encarem o
acompanhamento do parto como obrigação, e não como direito, como o
é de fato. Caso contrário, estaremos potencializando o
distanciamento do pai, ao invés de inseri-lo numa situação em que
seu envolvimento é fundamental. Com isso, sua inserção pode se dar
antes mesmo do nascimento, diferentemente do que vem ocorrendo,
quando seu envolvimento com o bebê ocorre com mais frequência no
pós-parto.
Por fim, também
deve ser considerado o fato de que como não existe mais a
padronização de que pai é o provedor, e a mãe a cuidadora,
obviamente está ocorrendo uma transição propriamente
dita, isto é, a mudança de um pai provedor para um pai mais
carinhoso e participativo, e uma mãe cuidadora que também pode ser
a provedora. E isso vem ocorrendo de forma gradual, como as pesquisas
estão demonstrando, através dos seus resultados que indicam maior
participação dos pais, embora algumas vezes mais tímida. E a
sociedade terá de aprender a se adaptar a essa transição, e não
exigir uma mudança brusca acerca do comportamento paterno, como vem
acontecendo.
Texto incrível não acham? E pensar que há quem diga que o pai somente assume sua função depois do nascimento do pequeno. A verdade é que quanto mais envolvido com todo o processo, melhor para o filho e para o casal. Dividindo as responsabilidades, tudo fica mais fácil. E saber que cada um pode contar com o outro, tranquiliza qualquer perrengue que possa surgir. Por tanto amigos, sejam convictos de vossas escolhas... não basta ser pai, tem que participar!
Um bjão, Paizão.
P.S. Valeu prima amada pelo apoio e leitura de sempre! Bjão!
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